Nota: Este texto foi escrito para a TSF em Junho de 2020, quando já se sabia que Fernando Gomes lutava contra uma doença terrível. Sempre a encarou com a dignidade e a força que patenteava em campo. Fica aqui como homenagem a alguém que era transversal a todos os clubes.
O GOLEADOR QUE SAIU DO NORTE PARA O MUNDO!
Felino…elegante…pleno de killer instinct… simplemente, o bibota!
Fernando Mendes Soares Gomes será uma das grandes figuras da emancipação dos Dragões na década de 80, que da Invicta partiram à conquista do mundo!
Além do génio futebolístico, sempre de braço dado com o golo, o sal do futebol, aquele momento que comparou com o clímax sexual, falamos de uma personalidade praticamente consensual no mundo do desporto-rei. Gomes, apesar de ser do Porto conseguiu transcender-se em relação às suas cores azuis e brancas.
Formado nos escalões jovens dois Dragões, ainda menino ascenderia à equipa principal. Estávamos na ressaca da Revolução dos Cravos e nas Antas aparecia um jovem com uma apetência especial em colocar a bola a beijar as malhas adversárias…um talento raro, que seria muito útil para resolver o problema identificado por Mestre José Maria Pedroto; ou seja aqueles 30 metros finais que separam o inêxito dos sucessos! Logo, nesse momento, ainda praticamente imberbe, com cara de menino, longe de ainda ser o homem admirado e invejado pelos seus congéneres do sexo masculino e desejado pelos do feminino, foi arrasador…goleador…importante numa época que os homens das Antas contaram com dois treinadores: o brasileiro Aymoré Moreira, técnico campeão do mundo em 1962 pelo Brasil, e o português Monteiro da Costa. Estava na forja o futuro número 9 do futebol português… o distinto sucessor de Eusébio, o “Pantera Negra”, que deixara um vazio irreparável na equipa das Quinas!
Numa temporada passaria a referência maior da equipa da Invicta. A primeira e inolvidável glória colectiva chegaria na temporada de 1978/79. Com os seus 28 tentos em 32 desafios, os Dragões libertavam o fogo de uma vitória que já lhes fugia há 19 anos e davam o seu grito de emancipação. A contribuir para essa glória, os golos daquele jovem esguio, com uma invulgar elegância, que em vez de estar num relvado poderia estar a desfilar numa passagem de modelos.
A partir daí seria um número incontável de bolas as beijar as redes adversárias…de momentos marcantes… de festejos virados para o Tribunal das Antas…de dedicatórias ao trompetista que, nos dias de hoje, em tempos de pandemia, ainda sai à varanda para alegrar o povo com as suas melodias!
Graças a essa voracidade, esse instinto predador, poderemos destacar dois feitos marcantes. Nas temporadas de 1982/83 e de 84/85, Gomes seria o melhor marcador da Europa, conquistando as suas Botas d’Ouro. Tal ocorreu já depois de ter vivido o maior fracasso da sua carreira. A Espanha chegara a notícia que havia um português que marcava como poucos…que era um salvo-conduto para as vitórias. Tal aguçou o desejo do Sporting de Gijon, ansioso por encontrar um substituto para Quini, figura lendária do clube, que houvera partido para Barcelona. Por 40 mil contos fez-se o negócio, num momento em que o jogador se sentia desconfortável na sua equipa de sempre…contingências de um Verão quente que tinha deixado mossas!
Porém, não corresponderia! Dificuldades de adaptação, aliadas a uma arreliadora tendinite travar-lhe-iam os sonhos de afirmação. Por isso, regressaria, a tempo de facturar como ninguém na Europa! Uma verdadeira máquina para a qual o golo era o único combustível… a sua dependência absoluta! Graças a eles, mas, também, à disciplina férrea e à genialidade táctica gizada por Pedroto, os Dragões, depois de conquistado o país, passaram a olhar avisos para a Europa. Este facto levou o clube à sua primeira final europeia, em Basileia, na Taça das Taças, onde seriam batidos por duas bolas a uma pela Juventus.
Passados três anos, contudo, estariam de volta… e para envergar o manto da glória, ainda que tal seja sinónimo de uma das maiores desilusões da carreira do jogador. Assim, na véspera da partida para a glória vienense, num desafio de preparação contra a equipa júnior, Gomes em esforço tentou marcar um golo! Consegui-lo-ia, mas, em simultâneo, fracturaria a tíbia e o perónio e veria o grande êxtase da sua equipa passar-lhe ao lado!
Teria, contudo, a sua recompensa na temporada seguinte. Em Tóquio, na final da Taça Intercontinental, perante os uruguaios do Peñarol, inauguraria o marcador de uma vitória inesquecível, na neve! Voltava ao papel de protagonista e conseguia alcançar a glória…com as suas cores de sempre!
Na época seguinte, dar-se-ia a partida. Após um conflito com a equipa técnica orientada por Quinito, que dissera que o “ Porto era Gomes e mais dez”, seria suspenso e alvo de um processo disciplinar. Não mais envergaria no campo as cores azuis e brancas e acabaria a sua carreira, após duas temporadas, no Sporting, onde conseguiria ser admirado pelo seu profissionalismo e pelos golos marcados.
Será esta uma das principais características do Bibota, que, independentemente, das cores que ostentou sempre foi respeitado por adeptos e jogadores adversários. O seu fair-play e respeito pelos adversários tornaram-no consensual e esse terá sido um prémio tão grande como as suas Botas de Ouro.
Hoje, com 63 anos, a desempenhar funções no clube que fez dele grande, vive dias difíceis… a abrupta morte da filha e os graves problemas de saúde que está a viver tornaram-se nos maiores desafios da sua vida!
Contudo, alguém duvida, que marcará os mais belos golos da sua vida e seguir em frente…como sempre fez?
DESCANSA EM PAZ CAMPEÃO!