Esta é uma história de romantismo, mas, também de nostalgia. Será, também, uma história de um conjunto de adeptos, desiludidos com o rumo que o seu clube levava, decidiu fundar um emblema à sua imagem, ainda que inspirado naquele que realmente amavam.
Estávamos em 2005. O Manchester United, ainda a navegar nas águas do sucesso e sob a meritória gestão de Alex Ferguson, era adquirido pela família Glazer, plena de recursos monetários, mas também a olhar para os Red Devils como um negócio.
Por isso, um conjunto de descontentes tomou a decisão que haveria de os marcar a partir desse momento: a criação de um clube que se demarcasse do futebol negócio, onde os adeptos tivessem uma voz activa no rumo a seguir e que fosse propriedade destes: um futebol democratizado.
Inicialmente a jogar em casa do Bury, em Gigg Lane, os mancunianos viveriam um início de história de encantar com três promoções consecutivas. Um percurso absolutamente fantástico, que teria outro inesquecível passo quando em 2015 o clube passou a actuar em Broadhurst Park, a sua própria casa.
Porém, outros factores merecerão destaque num clube, actualmente, a jogar na sétima divisão inglesa. Desde logo, o facto do clube ser propriedade dos 5000 membros que o compõe e que em homenagem a estes colocou uma inscrição no estádio com os dizeres “somos adeptos, não clientes.” Estes têm voz activa no preço dos bilhetes, na escolha do design dos equipamentos ou na direcção que os representa e adoram afrontar a família Glazer durante os jogos, especialmente quando cantam “Glazer, wherever you may be, you bought Old Trafford but you can’t buy me”.
Contudo, independentemente das contribuições que façam, cada adepto terá, apenas, direito a um voto. Atendendo a esta ideologia, foram estabelecidos os seguintes princípios nos seus estatutos:
- A Direcção será democraticamente eleita pelos seus membros;
- As decisões tomadas pelos membros serão decididas com base em cada membro só ter um voto;
- O clube desenvolverá fortes ligações com a comunidade local e esforçar-se-á por ser acessível a todos, não discriminando quem quer que seja
- O clube esforçar-se-á por tornar os preços de admissão de novos sócios tão acessíveis quanto possível, a um círculo mais alargado possível;
- O clube encorajará a participação jovem e da sua zona – jogando e apoiando – sempre que possível;
- A Direcção esforçar-se-á sempre que possível para evitar o comercialismo puro e simples;
- O clube continuará a ser uma organização sem fins lucrativos, ainda que aceite patrocínios para as suas camisolas.
Não obstante a nobreza dos princípios nem todos olhariam com bondade para o projecto. Entre os principais críticos estaria mesmo Sir Alex Ferguson, que referiu que ” tenho muita pena. É um pouco triste, leva-me a perguntar quão grandes são os apoiantes do Manchester United. Parece-me estarem a promover-se ou a projectar-se um pouco em vez de dizerem “no final do dia o clube tomou uma decisão, nós vamos apoiá-lo”. É mais sobre eles do que sobre nós.”
Todavia, nomes como Cantona, um dos maiores ídolos do clube, aplaudiram a ideia, que, no entanto, já sofreu vários retrocessos. Bastará dizer que em 2015, após um desafio com uma equipa de veteranos do Benfica, o responsável pelos bilhetes teve de demitir-se por ter aumentado os preços dos mesmos, o que levou a que o clube fosse reputado como “capitalista e de também ter cedido aos lucros fáceis.” No ano seguinte, uma invasão de campo na última jornada do campeonato em que o United participava com o fundamento da falta de transparência da direcção levaria a que esta fosse destituída, encetando-se um novo ciclo.
Actualmente, o Fc United de Manchester tem cerca de 1.300 portadores de bilhetes da época, um record nos últimos cinco anos, e três mil sócios todos eles co-proprietários. As decisões mais importantes continuam a ser tomadas em assembleia geral. Continua a não querer patrocinadores na camisola, a não ser que seja para efeitos de caridade.
Estes princípios seduzem uma média de duas mil pessoas que tradicionalmente se deslocam ao estádio, permitindo que o Manchester consiga autofinanciar-se para pagar a dívida do estádio.
Por fim, destaque-se o seu elo de ligação à comunidade. Todas as Quintas-feiras, os voluntários do clube dão lições gratuitas às crianças do bairro, e ao longo dos anos criaram um sector de juventude e uma secção de mulheres. Nas semanas que se seguiram ao início da guerra na Ucrânia, Broadhurst Park tornou-se também um ponto de recolha de alimentos e outros materiais a serem enviados para apoio do povo ucraniano. Um clube do povo e para o povo, que apesar de estar no sétimo escalão da pirâmide competitiva do futebol inglês é olhado com muita atenção…