Eu sei, Adeptos, o mundo anda todo chateado com os russos por causa da guerra na Ucrânia e da inflação, mas eu ainda acredito no poder unificador do futebol. Por essa razão, deixarei essas questões de parte e vou aproveitar o facto de estar a ler um livro chamado “Spartak Moscow: A History of the People’s Team in the Workers’ State” para vos escrever sobre o clube.
Apesar de nos últimos anos o Zenit de São Petersburgo dominar de forma mais ou menos consistente o futebol russo, principalmente após o investimento da Gazprom, o Spartak continua a ser o maior clube russo, detendo o recorde de mais campeonatos ganhos e contando com uma fiel e apaixonada massa adepta. Além disso, desde da sua fundação em 1922 que o clube moscovita tem uma história que se cruza com os acontecimentos que marcaram a Rússia nos últimos 100 anos.
Ao contrário dos outros clubes da capital russa, foi fundado por pessoas do povo para o povo, o que não aconteceu com os rivais: o Dinamo era o clube da polícia, o CSKA o clube do Exército Vermelho. O Lokomotiv tinha origens populares mas era patrocinado pela Ministério dos Transportes, e o Torpedo estava associado a uma fábrica de automóveis. O facto do Spartak ser um clube com origens populares que ganhava mais que os clubes com patrocínios estatais gerou inveja em certos círculos, o que talvez tenha contribuído para que durante o Grande Terror de Estaline os seus fundadores, os irmãos Starostin, tenham sido enviadas para os gulags na distante Sibéria durante 12 anos. Só sobreviveram porque os comandantes dos campos onde estiveram lhes pediam para treinar as equipas de prisioneiros, e inclusive um dos irmãos conseguiu uma redução na pena porque o filho de Estaline era seu fã. Após a morte do ditador, em 1953, voltaram a Moscovo e ao leme do clube que fundaram.
Este facto, o de ser um clube vítima da tirania estalinista, aumentou o mito do Spartak como o clube do povo. O próprio nome é uma referência a Spartacus, o lendário líder militar que se insurgiu contra os romanos e, apropriadamente, o emblema moscovita, embebido nessa inspiração, era um clube que durante o tempo dos sovietes tinha adeptos não conformistas que no estádio mostravam o seu desagrado contra o status quo e a rigidez da sociedade soviética. Foram, igualmente, os adeptos do clube a fazerem as primeiras deslocações a estádios rivais na URSS, numa altura em que era proibido viajar para outras cidades do país.
O século XXI não tem trazido muito sucesso ao emblema vermelho e branco, pois só foram campeões uma vez desde do início do século, mas a história também faz parte do património de um clube e os adeptos que semanalmente apoiam a sua equipa de forma apaixonada são a pedra basilar da mística do emblema que foi fundado por quatro irmãos e se tornou um símbolo de resistência e cor numa sociedade cinzenta como a soviética.
Com a guerra a lavrar na Ucrânia e as sanções internacionais impostas pelos órgãos que regem o futebol não se sabe quando o clube voltará a competir nas competições europeias. Mas não deixa de ser interessante que apesar de hoje serem duas nações beligerantes no tempo da União Soviética o duelo de equipas mais apaixonante do país era um clássico entre o Spartak Moscovo da Rússia e o Dinamo de Kiev da Ucrânia. Se tudo pudesse ser resolvido com a bola…
(Fonte: “Spartak Moscow: A History of the People’s Team in the Workers’ State”, de Robert Edelman)