01 de Abril de 1927…
Na Hungria nascia Ferenc Puskas, que haveria de tornar-se num extraordinário jogador do futebol, principalmente ao serviço do Real Madrid, onde faria parte de uma das mais lendárias equipas da história do futebol, o Real Madrid claro dominador das décadas de 50 e 60 do futebol europeu.
Porém, Puskas seria, também, o líder espiritual da selecção húngara, a mítica “Aranycsapat”, ou “Equipa Maravilha” em português. A mesma seria capaz de silenciar Wembley, ao tornar-se na primeira selecção a vencer a equipa inglesa no seu solo, por esclarecedoras seis bolas a três.
Seria a apresentação da candidatura à vitória no Campeonato Mundial de 1954, disputado na Suíça, mas que, escandalosamente, soçobraria na final frente a uma RFA, que houvera sido goleada pela mesma equipa magiar na fase de grupos.
Como supra dissemos, Puskas, fruto de uma dissidência política com o comunismo que se implantava no seu país, haveria de rumar a Espanha, onde se estabeleceria, tornando-se num dos mais importantes jogadores dos merengues. Aliás, “El Pancho”, alcunha pela qual respondia e que será importante para o desenrolar desta história, é um dos cinco jogadores da história que actuou por dois países, no seu caso a Hungria onde nasceu e a Espanha que o recebeu.
O SURGIMENTO DA PUSKAS AKADÉMIA
Puskas haveria de falecer em 2006, corroído pelo Alzheimer. Por essa altura, já havia sido fundada a Puskas Akadémia, para o homenagear e, simultaneamente, servir de base para o desenvolvimento dos jovens talentos do Videoton, na altura o clube emergente de uma Hungria depauperada dos talentos de outrora e em profunda crise de identidade futebolística.
Porém, de um momento para o outro, a história que contamos conheceria um novo episódio. Com efeito, o Videoton, emblema onde trabalhou na equipa secundária o actual técnico do Grupo Desportivo de Chaves, Vítor Campelos, haveria de mudar de nome, como consequência de um acordo de patrocínio lavrado com a companhia petrolífera MOL. Surgia o MOL Vidi FC, que no ano seguinte, atendendo à equipa estar sediada em Székesfehérvar, veria o seu nome alterado para MOL Fehérvar.
FELCSUT – A CIDADE ONDE CRESCEU VIKTOR ORBÁN E QUE, POR ISSO, IRIA TER UM CLUBE DE FUTEBOL
A Puskas, fruto dessa alteração de rota do clube, veria o seu objectivo esvaziado e mesmo o seu futuro equacionado. Valer-lhe-ia um nome conhecido e polémico do panorama político do país, mas, também, internacional. Referimo-nos a Viktor Orbán, actual primeiro-ministro do país magiar, que por ter passado grande parte da sua infância em Felcsut (a cidade onde está actualmente sediado o clube) e por saber que a academia houvera absorvido o clube da pequena vila de 1800 habitantes, o Felcsut FC, resolveu aproveitar a oportunidade para, através do futebol, colocar a localidade no mapa.
Orbán chegaria mesmo a impor-se como presidente do clube em 2010, tomando o lugar de Czaba Molnar, com 141 votos a favor, um voto inválido e um (corajoso!) voto contra. Imediatamente, o político assumiu o desejo de ajudar a construir um novo recinto desportivo, bem como erigir uma academia de excepção capaz de formar jovens talentos.
Cumpriria as suas promessas.
A PANCHO ARENA, UM SÍMBOLO DE PODER E UM POISO DOS OLIGARCAS
Em 2014, seria erigido o belo Pancho Arena, com um custo de 12 milhões de euros, que, como já dissemos, era a alcunha da velha glória Puskas e que, com 3816 lugares permitia que toda a população de Feclsut coubesse duas vezes no recinto. Além do custo do estádio, a Puslas Akademia recebe cerca de 10 milhões de euros anuais, de modo mais ou menos encapotado, desde 2010. Ou seja, o clube nos últimos 12 anos recebeu de subsídios 120 milhões de euros!
Não obstante a beleza do espaço, surgiram, de imediato, alegações de actos de corrupção dos agentes estatais na sua construção, ainda que o estádio não tivesse sido erigido com fundos governamentais de forma directa. Não obstante isso, as empresas que financiaram o empreendimento passaram a ganhar inúmeros concursos públicos de avultados valores… com o primeiro ministro a ser Orbán. Além disso, foram aprovadas leis que concediam benefícios a empresas que apoiam investimentos desportivos.
O estádio tornar-se-ia um local de paragens para os homens mais ricos e poderosos do país e com relações estreitas com o governo. Por isso, no parque de estacionamento da Pancho Arena há lugares para os oligarcas magiares, como o banqueiro, presidente da Federação Húngara de Futebol e homem mais rico do país, Sandor Csányi, ou o magnata da construção civil Lazló Szíjj, bem como para Lorinc Mészaros, o presidente da câmara da vila e membro do Fidesz, partido de Orbán, e conhecido, por num só dia, ter adquirido cento e noventa e dois jornais regionais. Todavia, além destes, o próprio Orbán tem direito a um espaço para estacionar a sua viatura, culminando um verdadeiro desfile de personagens da alta sociedade do país. Como referiu Gyula Mucsi, membro da entidade Transparency International, destinada a combater a corrupção “ a Sancho Arena é o único local em que a elite socializa com qualquer um fora do seu pequeno círculo. As grandes construções, o desenvolvimento dos projectos de infra-estruturas e tudo que necessite de muito dinheiro é decidido nos camarotes do estádio.”
Porém, com a cidade a ter uma lotação diminuta, o estádio que representa uma forma de nacionalismo, através da denominada “arquitectura húngara orgânica” com as suas vigas em madeira e que raramente tem nas suas bancadas mais de 1000 adeptos, é considerado pela imprensa do país “o símbolo do poder”, pois como já demonstramos é no seu interior que os poderosos tomam as decisões mais relevantes para os seus bolsos e para os do seu povo.
A FORMAÇÃO, SEMPRE PRESENTE
Além disso, segundo referiu o próprio Orbán, em declarações recentes aos meios de comunicação do seu país, após um desafio da Taça Puskas-Suzuki, disputada em Felcsut, para equipas do escalão sub-17, “– o importante é que os jogadores da academia joguem na primeira divisão, o resultado é secundário. Somos uma academia, não um clube de futebol clássico, porque para o Ferencvaros (um dos maiores clubes do país) é tudo sobre o ouro, para nós é sobre as crianças.” Refira-se a título de curiosidade, que na edição de 2021 da mencionada prova, uma equipa portuguesa, o Sporting, seria derrotada pelos anfitriões naquela que foi a primeira e única vez que conseguiram vencer um torneio que organizam desde 2008.
Atento a essa vertente formativa, que tem estado presente desde o início do projecto, seria constituída uma academia que está entre as melhores do país, num claro sinal que a formação é essencial. Como símbolo dessa filosofia, emerge o nome do lateral, Zsolt Nagy, formado no clube e já possuidor de 11 internacionalizações pela equipa do seu país, com especial destaque para a derradeira, quando marcou um golo no revivalista e surpreendente triunfo em Inglaterra, por quatro bolas a zero.
SEM PERGAMINHOS, QUE OS FILHOS DE AFONSO PREVALEÇAM!
Quanto à sua participação desportiva, apenas um título embeleza as vitrines do clube. Na verdade, é o de campeão da segunda divisão da Hungria de 2016/17, depois de na temporada anterior ter sido despromovido, quando, provavelmente era orientado pelo nome mais mediático que alguma vez assentou arraias em Felcsut. Falamos do antigo lateral esquerdo internacional croata, Robert Jarni, que, apesar do seu estatuto internacional, foi incapaz de fazer uma temporada tranquila, levando-a, ao invés, para o segundo escalão.
Contudo, depois do regresso a equipa estabilizar-se-ia. Chegaria à final da Taça do país sem, todavia, a vencer, melhorando paulatinamente as suas prestações na Soproni Liga, conseguindo um segundo lugar na época de 2020/21 e um terceiro na derradeira. O mérito dessas caminhadas é, também, do treinador, o eslovaco Zsolt Hornyák que vai iniciar a quarta temporada aos comandos do clube.
São, pois, os filhos de Orbán que o Vitória SC, logo, enfrentará.
Um desafio aliciante por estes factos, mas que, desportivamente, os Conquistadores terão obrigação de prevalecer, atendendo até à última experiência europeia do emblema magiar e ao resultado obtido na primeira mão no D.Afonso Henriques.