Para quem acompanhou o futebol transalpino do fim do século XX, Fabian O´Neill será um nome fácil de recordar. O uruguaio que hoje faleceu com 49 anos fruto de uma cirrose hepática era um médio ofensivo pleno de talento, capaz de merecer a admiração de Zidane que coincidiu com ele na Juventus.
Viajemos no tempo, até Novembro de 1995. Na conferência de imprensa de apresentação de O’Neill como jogador do Cagliari, este pareceu algo desconcertado, inebriado pelo momento, a ponto de alguns amigos de Montevideo terem reforçado o alerta de que “é um talento puro, pero es loco tambien”:..
Tão louco quanto dentro de campo como fora. Irreverente, capaz de enganar metade da defesa da Roma com um toque de calcanhar, antes de disparar de modo inapelável para um golo inesquecível. Inesperado ao ponto de jamais se saber qual seria a sua decisão com a bola no pé. Um arquitecto do belo futebol capaz de realizar um passe a rasgar de 40 metros, isolando um colega. Um daqueles, que num dia bom, sentar-se-ia na mesa de Totti, Zola ou Zidane….
Fabian era assim. Fácil, irreverente, engraçado. A sua pequena teatralidade com os seus colegas do Cagliari que eram uruguaios era motivo de risos em cada sessão de treino. Dario Silva era constantemente escolhido e quando partiu para Turim, para actuar na Juventus, terá sentido falta desse nicho que o fazia sentir-se em casa.
Assim tão grande era ele no campo, tão frágil seria fora dele. Tentaria resistir a certos vícios como beber até que, por fim, cederia a ele. Assim, um maravilhoso talento futebolístico acabaria por ter uma queda livre sem nada para o amparar. Cento e vinte aparições na Série A com Cagliari, menos de vinte em duas temporadas com a Juventus, que houvera investido muito dinheiro para o contratar. Experiência mínima em Perugia, depois um regresso relâmpago a Cagliari e o regresso a Montevideo, ao Nacional. Cinco partidas disputadas em 2003 e o fim da sua carreira. Aos 29 anos de idade.
Desde então, uma série interminável de desaires humanos, todos os ganhos desperdiçados, acabando mesmo por ajudar no mercado de frutas e legumes em Montevideu. Podia-se vê-lo a arrastar ou empurrar um carrinho carregado de madeira nas ruas de Paso de los Toros, a sua cidade natal localizada praticamente no centro geográfico do Uruguai. “Não tenho arrependimentos. Eu sei o que fiz, diverti-me a fazer o que queria”. Mentia a si próprio, querendo aceitar o seu destino. Mentia a si próprio, porque este não era suposto ser o seu destino. Era uma estrela de primeira grandeza e tinha o dever, não apenas o direito, de brilhar durante muito tempo…perdêr-se-ia nas curvas da vida, ao ponto de assumir que desperdiçou mais de 14 milhões de euros!
Hoje, aqueles que tiveram a sorte de conhecer Fabian e de o ver simplesmente a treinar estão divididos entre a emoção do seu adeus à vida terrena e a gratidão de ter admirado um mágico num campo de futebol. Aqui, eles chamavam-lhe de El Mago. Um charruo com tanta garra, classe infinita, de origem irlandesa e uruguaia em tudo. Os seus amigos em Montevideo, aqueles que detectam talento, tinham razão: “es loco tambien”. Mas mesmo assim, não deveria ter acabado assim.