Dizia-se, em jeito de piada, que sempre que precisavam de recrutar jogadores, os treinadores de futebol do Norte de Inglaterra e da Escócia dirigiam-se às minas. Para os mineiros, filhos e netos, o futebol era o verdadeiro ascensor social. Ainda o é, para as classes baixas da sociedade. A Escócia, embora um país diminuto, foi sempre um viveiro de homens idealistas, carismáticos e determinados, no que ao futebol diz respeito. Era muito mais comum os homens das “Highlands” procurarem Inglaterra do que o oposto.
Foi assim que nasceram as lendas de Bill Shankly e Matt Busby. O primeiro, um dos cinco irmãos futebolistas profissionais, jogou no Preston North End, antes, durante e após a Segunda Grande Guerra (que lhe interrompeu a carreira). Ainda apanhou, já no ocaso da carreira, Tom Finney, o jogador-canalizador, de quem diria que “seria grande em qualquer equipa, em qualquer época, em qualquer era, mesmo que jogasse de sobretudo”. Ainda jogador, tinha bem presente a ideia de ser treinador, porque o futebol era, para si, “mais importante do que a vida ou a morte”. Justificava-o com o “entusiasmo natural” com que vivia o jogo, desde os 10 anos (chegou a dizer, entre outras coisas, que nunca precisou da educação escolar, porque, primeiro, precisava do cérebro para pensar).
Bill Shankly lançaria as fundações para um Liverpool avassalador, em Inglaterra e na Europa. Não foi o treinador mais vencedor, mas a Liverpool do Kop sabe o quanto lhe deve, e sabe-o porque Shankly soube perceber a realidade da cidade e os seus problemas. Afirmou que as suas visões do jogo eram socialistas, porque ele próprio era socialista, nas quais todos trabalhavam para todos, e, no fim, todos recebiam uma parte da recompensa.
Matt Busby, também mineiro, escocês descendente de irlandeses fugidos à “Grande Fome”, jogou no Manchester City e no Liverpool. Foi ele que aconselhou ao seu antigo clube a contratação de Shankly, então no Huddersfield (com um jovem Denis Law a explodir). Busby, curiosamente, seria o grande obreiro da reviravolta do Manchester United (rival de City e Liverpool, os dois clubes que Busby representou enquanto jogador). Consigo, o United passou de um clube médio do norte de Inglaterra a uma força de primeira grandeza, durante a década de ’50. O desastre de Munique (acidente de avião), em 1958, adiou o que já se preconizava: em 1968, o MU sagrar-se-ia campeão da Europa, o 1º clube inglês a consegui-lo, às custas do Benfica (na sua 5º final em 8 anos). A força dos clubes ingleses, e isso era notório tanto com Shankly como com Busby, ou outros treinadores contemporâneos, ou que os precederam ou antecederam, era a mescla perfeita entre jogadores ingleses, escoceses, galeses e irlandeses (do norte ou não).
Jock Stein foi o único dos três que triunfou a partir da Escócia. Como jogador, não saiu da Escócia. Como treinador, passou por Inglaterra (Leeds), mas foi no Celtic que conquistou o mundo. Em 1967, ganhou tudo. Tudo. O Celtic foi a 1ª equipa britânica (e não latina) campeã da Europa, com um 11 inteiramente escocês (e da zona de Glasgow). Os Lisbon Lions foram campeões da Europa em Lisboa, no Estádio Nacional, contra o Inter de Milão, já bicampeão continental. 55 anos depois, o feito dos escoceses continua a ser incomparável. Stein revolucionou o Celtic e toda uma forma de pensar. Shankly, de quem era amigo, disse-lhe, após o triunfo de Lisboa, que a partir daquele momento, seria imortal.
São-no todos, na verdade.