Como nunca tive grande habilidade para dar chutos numa bola, esforço-me por entender o futebol em todas as suas ramificações, sejam históricas, intelectuais, sociológicas, teóricas e técnico-táticas. É algo que me absorve bastante, ler e viver o futebol.
Escreveu Desmond Morris no fantástico “A Tribo do Futebol”, obra literária absolutamente indispensável para qualquer fã de futebol, ou para qualquer pessoa que queira compreender o fascínio da sociedade pelo futebol em geral: “O animal humano é uma espécie extraordinária. Entre todos os acontecimentos da história humana, aquele que atraiu a maior assistência não foi uma grande ocasião política, nem uma celebração especial de alguma proeza complexa nas artes ou ciências, mas sim um simples jogo de bola – uma partida de futebol. Calcula-se que mais de mil milhões de pessoas terão assistido a uma final do Campeonato do Mundo, quando esta foi transmitida na televisão global”.
O futebol é fascinante, para muitos uma experiência quase religiosa. Diminuir o desporto rei a um jogo de 22 pessoas a correr atrás de uma bola é falhar, por não entender a complexidade inerente ao próprio jogo. Bill Shankly bem o disse, é algo mais importante que uma questão de vida ou de morte.
Penso que acima de tudo o mais relevante é o sentimento de pertença a algo maior que o indivíduo, maior que a efémera glória da conquista desportiva, pois se pensarmos bem, se muitos são adeptos dos clubes que ganham sempre, a grande maioria apoia clubes que raramente bebem do cálice da glória.
Então que é que os faz voltar semana após semana? O que é que os faz vestir as cores que juraram amar praticamente desde do berço, e cujos fracassos diminuem muitas vezes a sua existência a uma certa miserabilidade que só um adepto de futebol consegue entender? Estas questões são alguns dos mistérios insondáveis da vida para mim. Talvez eu tenha, usando um termo algo esotérico, uma alma antiga, pois prefiro o passado ao presente. Inclusivé no futebol. Daí muitas vezes escrever sobre acontecimentos anteriores ao meu nascimento. O passado está lá atrás e é menos dado à polémica, pelo menos em comparação com o presente. Não gosto de polémica. Mas vivo no presente e é impossível evitar falar dela.
Nos últimos dias andei algo enjoado com o futebol em geral. Todas as relações sofrem momentos assim. Algo curioso me aconteceu. Cada vez mais o futebol português tresanda a sensacionalismo e a conversas insalubres e estéreis, fazendo com que cada vez mais me desligue do nosso futebol. Mas com a terceira derrota consecutiva do Nottingham Forest ontem, vi que o que me afasta do futebol português também existe lá fora: a falta de paciência com os treinadores, as teorias conspirativas de que todos estão contra a nossa equipa, as ofensas que visam intervenientes específicos, nomeadamente os jogadores. Foi ingenuidade minha pensar que tal não acontecia noutras latitudes. Lá está, a típica ideia portuguesa de que o que vem de fora é sempre melhor. O adepto é acima de tudo um ser emocional.
Tudo isto se compreende, e sem ser hipócrita, também me chateio, mando bitaites às vezes, faço piadas contra os adeptos rivais e critico quem acho que merece ser criticado. Sofro de todos os sintomas do típico treinador de bancada. Nesse aspeto faço o mea culpa. Mas não gosto de polémica, por isso não consumo jornais nem vejo programas de televisão que só põe lenha na fogueira. Mas compreendo que no calor do momento, todos somos vulneráveis a deixar a emoção toldar a razão. Concluo com uma certeza: apesar de todas as suas imperfeições, adoro esta tribo do futebol. Sem o desporto rei na minha vida, a minha existência seria um pouco mais vazia. E continuarei a tentar encontrar a resposta para finalmente saber porque me enamorei tanto por um desporto que sou péssimo a praticar.