” – Jogar futebol é muito fácil. Só é preciso passar a bola aos homens com a camisola da cor da tua.”
Esta foi uma das pérolas com que Massimiliano Allegri brindou quem o ouvia na conferência de imprensa após o empate a zero com a Sampdoria.
Apesar da crueza e da simplicidade quase infantil da frase, faz-nos reflectir.
Vivemos no tempo da cientificidade. Contra-ataques passaram a transições. Defender bem passou a ser saber fazer basculações para o lado correcto. A posse de bola é cronometrada como se fosse o Santo Graal de um jogo com 150 anos. O jogo tornou-se quase um jogo de “computador”, apetecendo-nos citar Fernando Redondo, lendário médio do Real Madrid, que, ainda há dias, dizia que ” não tem paciência para assistir a jogos de futebol na televisão, atendendo a facto dos comportamento em jogo dos atletas serem pré-determinadas, quase como se de uma vídeojogo se tratasse, sem aquela inocência ou simplicidade de tempos idos.”
Ou então, relembrando o jornalista espanhol Marti Perarnau no seu “La Evolución Táctica del Futbol”, que refere que o melhor modo de desenvolver uma equipa tacticamente é seguir o conjunto de regras preconizadas aquando da codificação do jogo, pois nelas estarão consignadas os melhores meios para ter êxito no jogo.
Não queremos com estas asserções, nem terão, certamente, querido fazê-lo Redondo ou Perarnau quando disseram o que disseram, minimizar o necessário papel evolutivo do jogo. Mas, verdade seja dita, o jogo perdeu o encanto de outrora. Tornou-se quase um jogo de xadrez, chegando-se ao ponto de incensar Quique Sétien, treinador que orientou o Barça durante alguns meses em 2020, por ter aprendido nesse desporto mental como revolucionar o futebol.
Depois, ainda temos os eruditos comentadores do jogo. Aqueles que, ao invés de o descodificarem, codificam-no quase através de hieroglifos. Os que, em vez de resolverem as equações, tornam-nas ainda mais irresolúveis. Ou como Valdano, escreveu no jornal espanhol El País, em 27 de Março de 2021, ” se o City até faz a bola feliz com o seu posicionamento, posse, pressão, precisão, limpeza e todo os pês que se possa imaginar, outros transformam o método num regime repressivo onde futebolistas obedientes jogam de cor um futebol pré-aquecido adornado com palavras difíceis ou eufemismos imaginativos. Como disse Tácito sobre os Romanos: “Onde quer que passem, deixam um deserto e chamam-lhe paz”. Porque esta revolução, que veio para ficar, precisa de um novo vocabulário que só está ao alcance dos engenheiros e que nós comentadores estamos a começar a abusar. Esquecemos que a magia deste jogo popular reside na sua acessibilidade e simplicidade, e se continuarmos a distanciá-lo do povo, condená-lo-emos à morte. Permanecerá o sentimento e a identidade, o que não é pouca coisa. E, claro, o Sudoku, que, a propósito, os astrofísicos também devem ser bons.”
Pensamos ser claro.
No fundo, Allegri, com a simplicidade dos seus argumentos, consternado por um resultado inesperado, no seu vocabulário de homem do futebol, disse isso de modo claro. O futebol é simples, nós é que o complicamos…