Estávamos na temporada de 2012/13…
Depois de ter eliminado o FC Porto de Jesualdo Ferreira nos oitavos de final da Liga dos Campeões, o Malaga, com jogadores como os portugueses Antunes, Duda e Eliseu e outros como Demichelis, Saviola, Joaquin, entre outros, e treinador por Manuel Pellegrini chegava aos quartos de final da Liga dos Campeões. Pela frente, tinha o Borussia Dortmund, equipa, na altura treinada por Jurgen Klopp.
Depois do empate a zero no La Rosaleda, casa da equipa andaluz, no Westfallenstadion os espanhóis haveriam de ser derrotados por três bolas a duas nos últimos minutos numa altura em que a regra dos golos fora ainda servia para desequilibrar a balança. Refira-se, ainda, que o tento do êxito germânico foi obtido em fora de jogo, numa altura em que o VAR ainda não existia.
Dez anos depois tudo mudou…
No passado fim de semana, a equipa foi despromovida ao terceiro escalão do país, depois de ter sido derrotada por duas bolas a uma no Mendizorroza de Vitória, casa do Alavés, o que a impedirá de alcançar o seu concorrente mais directo que se encontra acima da linha d’água, o Villarreal B.
Longe vão, pois, os tempos de Abdullah ben Nasser Al Thani, primeiro sheikh a entrar no futebol espanhol, tendo chegado à sexta cidade do país em 2010.
Respondia, assim, a um pedido de ajuda do antigo presidente do Málaga, Fernando Sanz, que enfrentava dificuldades económicas. O membro da família real do Qatar chegou à Andaluzia com o objectivo de tornar o clube “no mais importante” da região, sonhando em destronar os bem estabelecidos Sevilha FC, Real Betis, Granada CF e Cádis CF. “Um anjo desceu do céu para nos ajudar”, confidenciou José Carlos Perez, então director desportivo de uma campanha de recrutamento faraónica, à revista francesa So Foot.
Em dois anos, Enzo Maresca, Martin Demichelis, Ignacio Camacho, Julio Baptista, Ruud van Nistelrooy, Nacho Monreal, Jeremy Toulalan, Joaquin Sanchez, Isco Alarcón e Santi Cazorla (a contratação mais cara da história do clube, vinda do Villarreal por 20 milhões de euros) chegaram à costa mediterrânica. Em 2011-2012, o clube terminou em quarto lugar em La Liga (a melhor classificação da sua história) e qualificou-se para o play-off da Liga dos Campeões. Os homens de Manuel Pellegrini, que também foi atraído pelo projecto dos petro-dólares, após a sua passagem pelo Real Madrid, não tiveram dificuldades, triunfando sonre o Panathinaikos antes de terminarem no primeiro lugar de um grupo que incluía o AC Milan, o Zenit de São Petersburgo e o Anderlecht. Uma campanha europeia que terminou com uma queixa à UEFA, após o tal jogo dos quartos-de-final em que o Málaga se sentiu “roubado” pelo Borussia Dortmund, levando a que Al Thani denunciasse a existência de “racismo” anti-árabe.
Tal foi o início dos problemas para o clube.
Pouco antes de se queixar da arbitragem, o Málaga foi alvo da UEFA, que o suspendeu durante quatro épocas de todas as competições europeias por não ter cumprido o fair-play financeiro. O treinador, Manuel Pellegrini, ainda, hoje está convencido que a razão pela qual a sua equipa foi excluída de forma tão vergonhosa foi o receio do organismo europeu de ver uma equipa sob investigação da UEFA chegar à final da Liga dos Campeões. Na realidade, a corrida europeia foi um disfarce: depois de ter arrecadado mais de 150 milhões de euros em dois anos, o Málaga já tinha dificuldades em pagar os salários astronómicos prometidos aos jogadores. O sindicato dos jogadores em Espanha já tinha manifestado preocupação com os salários em atraso na pré-época. A exclusão da Liga Europa na época seguinte, apesar de o clube se ter qualificado para a competição, selou o fim de dois anos gloriosos, que Weligton, que passou pelo Penafiel, descreveu para o jornal Relevo: “É como dar um Ferrari a um operário. É preciso pôr gasolina no carro, pagar impostos… E se não se recebe, é impossível mantê-lo. Foi o que aconteceu connosco. Foi o que nos aconteceu. Foi criada uma grande estrutura, mas não havia projecto e não havia dinheiro. Com as receitas que o clube tinha, era impossível apoiar toda a equipa.”
No Verão de 2013, Isco foi vendido ao Real Madrid, Joaquin à Fiorentina e o médio Jeremy Toulalan ao Mónaco. Al-Thani, por sua vez, denunciou o fim da linha, ao anunciar que não investiria mais um cêntimo no clube. “Sim, vou-me embora daqui. Porque não encontrei respeito, estima e igualdade”, escreveu no Twitter, aborrecido pelos seus grandes projectos imobiliários na cidade – incluindo uma marina e um hotel de quatro estrelas só para ele, segundo a imprensa local – terem sido sistematicamente rejeitados pelo governo local.
Com o desaparecimento do projecti, Bernd Schuster e Javi Garcia (sucessores de Manuel Pellegrini no banco) tiveram de se contentar com algumas estrelas em fim de contrato e, sobretudo, com os jovens promissores do centro de formação: Samu Garcia, Juanmi Jimenez, Samu Castillejo, Sergi Darder, Juanpi Añor e Pablo Fornals. Todos estes nomes, foram rapidamente utilizados como moeda de troca para evitar que o clube se afundasse financeiramente. Mas em 2017-2018 e após um golpe final de Abdullah ben Nasser Al Thani, que tinha jurado que “pela graça de Alá, a escumalha catalã não cheirará a La Liga”, o Málaga foi despromovido à segunda divisão.
Em queda livre, clube escapou mesmo à falência em Fevereiro de 2020, vendendo o seu avançado Antonin Cortés, que actuou em metade desta época no Vitória SC, ao vizinho Granada, por 1,5 milhões de euros. Abdullah ben Nasser Al Thani, completamente ausente desde a despromoção do clube à Segunda Divisão, voltou à ribalta por motivos bem menos gloriosos: foi processado pela associação de pequenos accionistas do Málaga CF e demitido do seu cargo pela justiça, que abriu um inquérito judicial por alegados crimes de gestão desleal, peculato e branqueamento de capitais. “Quando lhe apetecia, o filho tirava 40 mil euros da caixa ou o Málaga pagava as suas despesas de 250 mil euros em Las Vegas”, disse Antonio Aguilera, presidente da Associação de Pequenos Accionistas, ao jornal Relevo. Depois de uma rusga policial aos escritórios do clube, o caso mereceu tutela judicial e o juiz nomeou um administrador (José Maria Muñoz) para gerir o clube. Três anos depois, o advogado e economista sem conhecimentos de futebol continua à frente do clube, uma vez que Al Thani não quer pagar a quantia de cerca de nove milhões de euros exigida pelo tribunal para retomar ao controlo do clube (quantia que é acusado de ter retirado dos cofres, ilegalmente).
O dirigente do clube, teimosamente preso a um sistema de gestão desportiva calamitoso que viu o Málaga roçar a despromoção na época passada, levou a que não existisse uma direcção com conhecimentos, nem um projecto desportivo à altura do clube. O clube está mesmo sem director desportivo desde Fevereiro, após a demissão de Manolo Gaspar, inicialmente considerado responsável pela situação catastrófica do clube. Com o sexto maior orçamento do campeonato (11.793.000 euros), atrás de Granada, Leganés, Las Palmas, Eibar e Levante, o Málaga bateu no fundo. A gestão do homem nomeado pelos tribunais é mesmo o principal alvo das críticas dos adeptos malaguenhos, após a descida do clube à D3. Tanto assim que, num editorial de domingo, o jornal Marca titulava: “José María Muñoz leva o Málaga ao inferno”.
” – O maior problema do Málaga é este processo interminável. Tem de acabar já, porque é como um cancro que está a corroer lentamente o clube”, lamenta o já ciyado Weligton, que sonha com um “clube normal”, que jogue com os seus próprios recursos e de forma inteligente. “Enquanto a sombra do julgamento estiver presente, não podemos avançar”. Com a derrota por 2 a 1 do passado Sábado, o Málaga não tem outra opção a não ser colocar tudo nos eixos.
Na verdade, no terceiro escalão espanhol cada clube receberá cerca de 300 mil euros. Muito longe dos sete milhões que o clube andaluz recebeu no início do exercício financeiro de 2022-2023 (o equivalente ao orçamento total atribuído aos 40 clubes da Primera RFEF). Sem presidente e sem investimento, no entanto, o clube não corre o risco de desaparecer. É o que dizem os observadores do clube, que já foi reconstruído em 1992, após o fim do CD Málaga. A nova direcção poderá, pelo menos, contar com a resistência dos adeptos para começar de novo, já que o Rosaleda teve uma média de 27.000 espectadores esta época. A não ser que um sheikh venha dar um novo impulso: recentemente, Nasser Al-Khelaïfi, presidente do PSG, disse estar interessado em comprar o clube… Mas, será que depois desta novela, os adeptos ainda acreditarão em salvadores da pátria?